De materiais rústicos à inteligência artificial: acompanhe como os avanços tecnológicos têm modificado por completo a vida de quem perdeu o uso das mãos e necessita de próteses.
Sempre valorizamos nossos sentidos quando, por algum motivo, ficamos sem eles. Nada como uma gripe para nos ensinar o valor do paladar e do olfato, por exemplo! A capacidade de perceber o mundo de diferentes maneiras através de nossos órgãos sensoriais é algo tão natural no dia a dia que dificilmente paramos para pensar o quanto somos dependentes deles. O que fazer, então, para ajudar aquelas pessoas que, por diversos motivos, nunca tiveram ou nunca mais terão experiências auditivas, visuais, olfativas, de paladar ou de tato?
Como fazê-las [as pessoas que perderam o uso das mãos] voltar a interagir com o mundo de maneira prática, independente e inteligente?
Melhorar a qualidade de vida da população é um dos principais pilares que norteiam as pesquisas científicas e acadêmicas. Nesse sentido, auxiliar pessoas a recobrar ou conquistar sentidos tem se tornado uma das áreas de inovação mais empolgantes nos últimos anos. Novas técnicas e tecnologias surgem todos os meses, e os cientistas já utilizam de smartphones à inteligência artificial em invenções que prometem trazer conforto e independência a quem perdeu algum dos sentidos.
Nessa matéria, vamos focar em avanços científicos que ajudam pessoas que perderam o movimento das mãos e dos braços. Como fazê-las voltar a interagir com o mundo de maneira prática, independente e inteligente?
UM BREVE HISTÓRICO DAS PRÓTESES DE MÃOS
As mãos são uma das principais ferramentas da humanidade. Escrever, digitar, usar o smartphone, dirigir…todas estas ações demandam destreza nos dedos e amplo controle sobre mãos e braços.
Quando se perde a capacidade de interagir com o mundo via as mãos – seja por doenças, acidentes ou motivos diversos –, a vida costuma ficar um pouquinho mais difícil. Tanto é que as primeiras próteses de mãos – instrumentos visando a auxiliar o manuseio de objetos – datam do ano 200 antes de Cristo…
Nessa época, o general romano Marcus Sergius ganhou uma prótese de mão feita de ferro para poder segurar seu escudo durante as batalhas da Segunda Guerra Púnica (218 a 201 aC) – da qual, aliás, saiu vitorioso. Trata-se do primeiro registro documental de uso de prótese de mão na História. O general lutaria inúmeras outras batalhas com a mão de ferro, criando uma sólida carreira de conquistas. Assim como os usuários de próteses modernas, poder utilizar as mãos pode fazer toda a diferença na vida.
A mão de ferro do general romano Marcus Sergius é o primeira registro de prótese de mãos na História
Durante a Idade Média na Europa, as próteses de mãos passaram a ser feitas de novos materiais – como couro, madeira e ligas metálicas de cobre ou aço – e ganharam funcionalidades. Quanto mais maleável era o material de confecção, mais ações as mãos poderiam fazer. A prótese do general Marcus, por exemplo, era um bloco sólido de metal. Já as próteses produzidas na Idade Média tinham dedos móveis e poderiam realizar ações simples, como abrir e fechar a palma, por meio de mecanismos com cordas e molas. Aliás, não era incomum relojoeiros trabalharem nesse tipo de empreitada.
O simples ato de poder fechar um punho em uma prótese com a ajuda de puxões em cordinhas é de extrema importância: pegar e soltar objetos são ações que fazem parte do repertório básico de interações em nosso cotidiano.
A história das próteses de mãos tem tudo a ver com a história das guerras. Da Guerra Civil norte-americana às duas Guerras Mundiais, o número alto de amputados fez surgir uma demanda crescente por próteses das mais diversas, inclusive de mãos. Vários pequenos avanços no design e na tecnologia ocorreram nesse período, mas imagens de época mostram que as próteses ainda estavam muito aquém dos padrões modernos.
As revoluções verdadeiras em termos de próteses começaram a ocorrer nos anos 1970, quando o conhecimento médico se aliou a novas tecnologias na criação de instrumentos mais confortáveis, visualmente bonitos e úteis para o utilizador. Especialmente nas últimas décadas, com o advento da informática e dos microprocessadores, as próteses têm se tornado cada vez mais funcionais, podendo realizar inúmeras ações.
Apesar dos avanços, uma realidade se mantém, infelizmente: as próteses continuam sendo objetos de desejo para muitos, uma vez que as melhores e mais modernas são proibitivamente caras.
Eis mais um desafio que a tecnologia pode ajudar a solucionar.
PRÓTESES DE ALTA TECNOLOGIA, PRODUZIDAS NO BRASIL (E A BAIXO CUSTO!)
Por que não unir alta tecnologia a preços baixos?
Nos laboratórios da Faculdade de Engenharia Elétrica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o grupo de estudos do pesquisador Eric Rohmer trabalha no desenvolvimento de tecnologias para auxiliar pessoas com deficiências motoras a readquirir a capacidade de realizar ações e interagir com o ambiente. Um de seus trabalhos mais interessantes é a criação de uma prótese de mão “inteligente”, que utiliza tecnologia de ponta e que conta com um diferencial importante: o baixo custo.
A meta do grupo é construir uma prótese que custe cerca de 50 dólares, ou aproximadamente R$200 – um valor infinitamente melhor do que os cerca de 60 mil reais que uma prótese top de linha pode custar hoje. Construída em impressora 3D, a prótese poderá ser barata, mas ainda assim será equipada com tecnologia da mais avançada .
Eric e seu grupo de pesquisas integram o BRAINN – Instituto Brasileiro de Neurociências e Neurotecnologia, na sigla em inglês. No Instituto, o uso de tecnologias avançadas para aprimorar a vida de pessoas com restrições motoras já ocorre há vários anos. O grupo desenvolve, por exemplo, cadeiras de rodas robóticas que podem ser controladas pelo pensamento – visite o site oficial do BRAINN no link a seguir para mais informações e vídeos demonstrativos de como a tecnologia funciona. Isso só é possível pelo trabalho em conjunto, no Instituto, de cientistas de diversas áreas do conhecimento vinculadas às neurociências, compartilhando informações e conhecimento sobre como melhor aproveitar o sistema nervoso humano em aplicações práticas e impactantes.
Saiba mais sobre a cadeira de rodas no site do BRAINN
De acordo com o pesquisador, atualmente o grupo estuda diversos métodos que podem facilitar o uso das próteses e torna-las objetos mais práticos e acessíveis. Afinal, conforme escrevem os pesquisadores, as opções atuais costumam ter curva de aprendizado de uso lenta, longas filas de espera, métodos invasivos de instalação e baixa tecnologia embarcada, tornando as próteses objetos mais estéticos do que práticos. Nos laboratórios de pesquisa do BRAINN, todavia, a meta é otimizar desde a maneira como o utilizador irá aprender a “operar” a prótese até os tipos de interação que o objeto terá com o mundo. E tudo isso com a ajuda da neurociência.
NOVAS TECNOLOGIAS A SERVIÇO DA PRATICIDADE
No momento, um dos principais focos de estudos dos pesquisadores são as maneiras mais eficientes do usuário interagir com a prótese – e de que maneira ela poderá ‘compreender’ o mundo.
- Seria o uso da prótese controlado por sensores musculares ou por comandos de voz?
- Talvez por linguagens de sinais (Libras)?
- A prótese seria capaz de reconhecer itens do cotidiano por meio de adesivos com dados para leitura por radiofrequência…
- … ou então teria uma câmera embutida que reconheceria objetos e abriria um leque de opções de ações ao usuário?
A imaginação é o limite na adaptação de tecnologias modernas a formas de melhorar a qualidade de vida de quem se vê “limitado” pelas próteses tradicionais.
Não poder utilizar mãos é tão debilitante que existem inúmeras maneiras de tentar contornar o problema – até mesmo utilizando blocos de Lego!
Todas estas linhas de pesquisa estão sendo seguidas e ampliadas neste exato momento, em um laboratório avançado aqui no Brasil. Dezenas de outros grupos de pesquisa no mundo inteiro, em empresas e em universidade, também trabalham no desenvolvimento de tecnologias que possam diminuir custos e ampliar as capacidades daquela parcela significativa da população que convive com restrições de movimento.
Da época das “mãos de ferro” do general romano aos dias de hoje, e especialmente nos últimos anos, a inovação e a evolução na área de próteses são notáveis.
Da época das “mãos de ferro” do general romano aos dias de hoje, e especialmente nos últimos anos, a inovação e a evolução na área de próteses são notáveis. Conforme demonstrou Eric à reportagem, o futuro pode estar em uma mão que, por meio de uma câmera, reconhece aquele mouse em sua frente e, respondendo a leves movimentos do usuário, fecha o punho ao redor do objeto e permite cliques e movimento pela tela do computador. Talvez demore mais alguns anos até a tecnologia estar pronta para o mercado, mas traz esperanças de um futuro melhor e mais independente para milhões em todo o mundo.